Uma Conversa sobre Moda Inclusiva com Ana Luiza Garritano
- Projeto Entre
- 9 de dez. de 2021
- 5 min de leitura
Por Jéssica Rodrigues

Composição por Vanessa Pinheiro
Conversamos com Ana Luiza Garritano formada em Design de Moda pelo Senac, aluna de Negócios da Moda pela Anhembi Morumbi e pesquisadora acadêmica na área de Moda Inclusiva. Em setembro de 2021, Ana Luiza apresentou no Colóquio de Moda sua pesquisa de iniciação científica “Traços de Capacitismo no Discurso de Moda Inclusiva”, sob orientação da Profa. Dra. Larissa Almada. O trabalho foi premiado como o melhor da Sessão 2 de Iniciação Científica: Consumo de Moda, então pedimos para a pesquisadora dividir momentos simbólicos de sua trajetória no setor da moda.
Ana Luísa nos conta que sua relação com a indumentária começou ainda na infância, quando tinha dificuldades de encontrar roupas, ela tem a Síndrome de Carpenter e sentia a pouca ou nenhuma opção em roupas na sessão de moda inclusiva. Essa lacuna no mercado estimulou Ana a seguir estudos dentro do setor têxtil, iniciando sua formação no Centro Universitário Senac no curso de Design de Moda, continuando com a segunda graduação em Negócios da Moda na Anhembi Morumbi e com planos de seguir a vida acadêmica através de projetos de pós-graduação.
Ela relata que quando finalizou sua graduação em Design de Moda, teve muita dificuldade no mercado de trabalho, pois sentiu preconceito nos processos seletivos de emprego devido à sua síndrome. “Eu tive muita dificuldade em marcar entrevistas”, conta Garritano. Como não queria sair da área da moda e sentia que havia muitos assuntos a serem explorados, pesquisou cursos existentes no país e se interessou pela abordagem mercadológica oferecida pela Anhembi Morumbi, então decidiu fazer Negócios da Moda.
Sobre a importância do desenvolvimento de um mercado mais amplo no seguimento de moda inclusiva, Ana destaca a importância da escolha e da expressão: “A moda não é só vestimenta, ela também é uma forma de expressão de um indivíduo, por isso eu quero ter a opção de escolher a roupa que vou vestir e não apenas comprar o que está lá disponível”. Garritano continua dizendo sobre o poder que a indumentária tem na construção da autoestima das pessoas. “Infelizmente quando eu era adolescente eu não pude usar todas as tendências que queria, as opções de roupas para o meu corpo eram limitadas”. Como profissional desse setor, Ana quer mudar esse panorama, aumentando as perspectivas de opções de vestimentas para pessoas com deficiência.
Ao ver a pouca evolução da indústria nesse sentido, Garritano viu a necessidade de desenvolver uma investigação mercadológica sobre a moda inclusiva. “Eu não entendo o porquê dessa resistência do mercado em desenvolver peças para pessoas com deficiência, já que no Brasil esse grupo corresponde a quase um quarto da população”, conta Ana Luiza. Outro ponto importante que merece destaque é a falta de representatividade “Não vemos pessoas com deficiência na mídia, ou mesmo nos editoriais de moda”, ela ressalta. Foram esses os principais motivos que levaram Ana a se decidir por desenvolver a pesquisa acadêmica sobre o tema, levando a pauta tanto para sua iniciação científica como para o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Como recorte de seu artigo apresentado no Colóquio de Moda, Ana escolheu o viés do consumo, querendo explorar o processo de compra de mulheres com deficiência. “Eu queria saber se o processo delas era parecido com o meu, pois parece que a pessoa com deficiência não é levada em consideração como usuário de moda, ainda há muito preconceito”, relata Ana. Através dessa reflexão, Garritano decidiu estudar o capacitismo, que é justamente o preconceito contra pessoas com deficiência. “O capacitismo é você julgar que a pessoa com deficiência é incapaz, e isso não é verdade. Eu sofri isso na minha busca por emprego na área da moda, os recrutadores não acreditavam no meu trabalho”. Por isso o capacitismo influencia direta e negativamente no consumo de moda da pessoa com deficiência. “Muitas vezes as marcas não acham que a gente precisa de roupas, mas sim de produtos hospitalares”.
As pessoas com deficiência não são vistas como consumidoras de moda, não existe comunicação direta por parte das marcas para esse público, é um grupo silenciado, isso é uma consequência da falta de profissionais com deficiência em toda cadeia têxtil, conta Garritano. “Uma equipe diversa traz ideias mais efetivas e criativas, deixando o trabalho mais dinâmico e atualizado com as pautas contemporâneas, já existem estudos disponíveis sobre esse assunto” complementa. Por isso a importância em falar sobre o tema da moda inclusiva, é necessário mudar a mentalidade dos profissionais da área, já que falta representatividade em todos os níveis.
Ainda sobre a questão da representatividade, perguntamos para Ana Luiza se ela conheceu em sua trajetória outra pesquisadora com deficiência, ela contou que encontrou apenas a Michele Simões. “Esse também foi um dos motivos para que eu me apresentasse na Sessão de Consumo de Moda e não na de Moda Inclusiva, eu queria mostrar que nós – pessoas com deficiência – podemos estar em qualquer lugar, discutindo e discorrendo sobre qualquer tema”, revela Ana. O Colóquio de Moda é o principal espaço de pesquisa específico para o setor da vestimenta, portanto o local ideal para expor ideias de mudança e inclusão na indústria têxtil.
Sobre a experiência de se apresentar no Colóquio de Moda, Ana Luiza nos contou que todo o processo foi muito positivo, principalmente porque ela tem pretensões de seguir como pesquisadora acadêmica. “Eu me preparei e ensaiei bastante para a apresentação, pois é um desafio apresentar uma pesquisa tão extensa em apenas 10 minutos”. Garritano revela que contou com apoio de sua orientadora Profa. Dra. Larissa Almada e de suas colegas de graduação para deixar a apresentação no ponto ideal.
Com tanto empenho e dedicação a um tema de extrema importância no setor da moda, não foi surpresa a escolha do trabalho de Ana Luiza como o melhor da Sessão de Iniciação Científica em Consumo de Moda. Ana revela que se surpreendeu sim com a premiação, mas que ficou muito feliz com a exposição de uma pauta tão essencial e pelo reconhecimento de seu trabalho.
Por fim perguntamos a Ana o que falta fazer para que as mudanças sejam mais reais, mais palpáveis nesse setor de moda inclusiva, ela relata que as evoluções ainda são pequenas, as discussões acontecem de forma devagar: “Eu defendo a diversidade como um todo. A gente está em 2021 e ainda temos que discutir sobre racismo dentro de uma loja, sobre gordofobia dentro de uma loja; isso não dá mais!”. Garritano ainda complementa que os consumidores também têm um papel fundamental nessa discussão, é essencial que todos se posicionem, que cobrem as marcas por mudanças mais inclusivas. “No fim é sobre acreditar verdadeiramente no poder da diversidade”.
Imagens:
Michele Simões pesquisadora na área de Moda Inclusiva. Fonte: Glamour / Foto: Ariana de Lima e Gabriel Bertoncel
Ana Luiza Garritano. Foto concedida pela entrevistada
Campanha da coleção 2018 da Tommy Adaptive. Fonte: Divulgação/ Tommy Hilfiger
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