Moda e idade: a superexposição da juventude e a representatividade do público mais velho.
- Projeto Entre
- 27 de out. de 2021
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Uma discussão sobre a idade de quem representa a moda, o porquê dessas escolhas e suas consequências.
Por Nathally Merida

Composição por Vanessa Pinheiro
A juventude, por consequência de ideais de beleza da cultura hegemônica, é tida como desejável, atraente e simboliza o idealismo e a liberdade desta fase da vida. Segundo o editor Angelo Flaccavento da Business of Fashion, a moda a utiliza para "moldar nossos desejos, alimentar nossas inseguranças e nos impulsionar a comprar roupas".
Designers de marcas influentes referenciam a estética dos jovens de forma para, ao mesmo tempo, atender aos seus gostos e a comercializar para públicos mais velhos. A empresária Cat Hocking descreve o olhar da juventude para a moda para a Vogue Austrália como sendo desimpedido de imposições anteriores: "A moda é a atividade do que é novo e o que vem a seguir, e a juventude incorpora esses ideais perfeitamente."
É comum que modelos comecem suas carreiras ainda na adolescência, e dados da Fashion Model Directory de 2014 a 2020 comparam que a média de idade das modelos em catálogos é de 23 anos, 22 anos em lookbooks e, em desfiles, 21 anos. Na moda, como apresentado pela socióloga Julia Twigg no Livro "Fashion and Age: Dress, the Body and Later Life": "o envelhecimento começa muito cedo, certamente no final dos vinte, da mesma forma que nas esferas de cosméticos e cremes faciais"
A Forbes detalhou em um artigo o evento Aging Gracefully - Envelhecendo Graciosamente, em inglês -, que aconteceu em 2017 nos Estados Unidos, e abordou tratamentos preventivos e antienvelhecimento em pessoas mais jovens, apresentando cremes, toxinas e ácidos para serem usados por pessoas a partir de 25 anos. Em um nível mais extremo, segundo a pesquisa global de 2019 da Sociedade Internacional de Cirurgias Plásticas Estéticas (ISAPS), o uso de injetáveis não cirúrgicos com efeitos "anti-idade" tem aumento todos os anos, e são os mais populares entre os pacientes entre 35 e 50 anos.
Twigg ainda diz que é comumente considerado que as mulheres envelhecem mais rápido que os homens, “uma crença que tem suas raízes em sua avaliação na esfera da aparência, e levada adiante em práticas como sua exclusão da mídia em idades significativamente mais jovens do que seus colegas do sexo masculino", como ocorre na moda. Por mais que o público mais velho tenha maior capacidade de compra e continue possuindo interesse em roupas, acessórios e estilo, de forma geral, as marcas não os retratam em suas campanhas e nem adotam estratégias de marketing direcionadas para as faixas de idade que representam seus consumidores.
Segundo dados da Boston Consulting Group, a idade média do consumidor de moda luxo no mundo é de 38 anos, e dados do Centro Internacional da Longevidade, do Reino Unido, estimam que a exclusão do público acima de 50 anos no marketing das empresas pode custar 11 bilhões de libras para a indústria nos próximos 20 anos.
Contudo, principalmente nos últimos anos, algumas marcas buscaram fugir desse paradigma. O fotógrafo e autor Ari Seth Cohen discorre em artigo para a The Guardian que ele pode observar uma verdadeira mudança ao ver marcas patrocinando influencers mais velhas em campanhas digitais, criando uma conexão mais genuína com o público.
Outro exemplo é a modelo americana JoAni Johnson, que desfilou em uma Semana de Moda pela primeira vez aos 65 anos, e ganhou popularidade ao participar de uma campanha para a marca Fenty, da cantora Rihanna. Marcas como The Row, Simone Rocha e Calvin Klein também incluíram modelos de meia idade em seus desfiles, com a casa de moda Maison Margiela apresentando sua coleção de 2019 apenas em mulheres de cabelos grisalhos. No Brasil, assim como pessoas com deficiência e plus size, idosos fizeram parte do desfile do Ronaldo Fraga na São Paulo Fashion Week de 2017.
Mesmo que a raiz da superexposição da juventude no campo da moda seja sistêmica, é importante a discussão sobre quais corpos estão sendo apresentados e celebrados dentro da indústria. Visto o papel das roupas na autoestima e na expressão pessoal, a inclusão de pessoas de meia idade e idosos nas campanhas das marcas é um passo para que seja possível pensar uma moda múltipla, que possa compreender a sociedade e todos que fazem parte dela.
Referências:
ARNETT, George. Despite push for age diversity, young models still rule the runway. Vogue Business. 2020.
BIRRELL, Alice. Forever young: why fashion is still obsessed with youth. Vogue Australia. 2019.
CAMAROTTI, Antonio. Comece cedo a se prevenir dos efeitos da idade. Forbes. 2017.
FLACCAVENTO, Angelo. Extreme Youth Fetish at the Paris Men's Shows. Business of Fashion. 2015.
HICKLIN, Aaron. JoAni Johnson: The sexagenarian model defying convention. The Guardian. 2019.
HILL, Amelia. Fashion industry's ageism could cost it £11bn in next 20 years. The Guardian. 2020.
Pesquisa global mais recente da ISAPS informa aumento contínuo de cirurgias estéticas em todo o mundo. International Society of Aesthetic Plastic Surgery. 2020.
TSUI, Diana. Finally, some age diversity on the runway. The Cut. 2019.
TWIGG, Julia. Fashion and Age: Dress, the Body and Later Life. London: Bloomsburry, 2013.
Imagens:
Desfile da MM6 por Maison Margiela, 2019. Fonte: Maison Margiela/thecut.com
Desfile de Ronaldo Fraga na SPFW N44, Verão 2018. Fonte: Ze Takahashi/ffw.uol.com.br
Desfile de Simone Rocha, 2019. Fonte: Anton Denisov/thecut.com
Desfile de The Row, Outono 2017. Fonte: The Row/elle.com
JoAni Johnson, 2019 Fonte: Heather Favell/theguardian.com
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