Figurinos de cinema: Papel e desafios dos figurinos contemporâneos.
- Projeto Entre
- 26 de ago. de 2021
- 4 min de leitura
A nonagésima terceira cerimônia do Oscar ocorreu no dia 25 de abril em Los Angeles, Estados Unidos, premiando na categoria de figurino o filme “A Voz Suprema do Blues”, uma adaptação de uma peça de mesmo nome de 1984.
Por Nathally Merida

Figurinista Patricia Field e atriz Meryl Streep no set de O Diabo Veste Prada (2006). Racked/www.racked.com.
A nonagésima terceira cerimônia do Oscar ocorreu no dia 25 de abril em Los Angeles, Estados Unidos, premiando na categoria de figurino o filme “A Voz Suprema do Blues”, uma adaptação de uma peça de mesmo nome de 1984. Estrelado por Viola Davis e Chadwick Boseman e situado em 1927, o roteiro conta a história da "Mãe do Blues" Ma Rainey e sua banda, e possui em suas composições roupas extravagantes incluindo vestidos de veludo, bordados, franjas e muitos acessórios.
Os figurinos em filmes, como apontado por Deborah Nadoolman Landis em seu livro de 2012 “FilmCraft: Costume Design”, têm dois propósitos: o primeiro sendo apoiar a narrativa, auxiliando a criar e representar personagens autênticos; o segundo está ligado a composição, pois devem existir de forma harmônica em cada cena, por meio de suas cores, texturas e silhuetas. Francisco Araujo da Costa menciona que “Clube da Luta”, de 1999, possui figurinos nos quais as roupas são significantes de características dos personagens, realistas e esperadas com seus traços de personalidade: "o personagem de Helena Bonham-Carter usa roupas escuras, que simbolizam o quão sombria é a personagem, enquanto o personagem de Edward Norton usa ternos cinzas, simbolizando a falta de vitalidade e alegria na vida do personagem".
Já um exemplo de harmonia entre as roupas e a composição é o figurino de “Maria Antonieta”, vencedor do Oscar em 2007, no qual, além de contextualizar a época em que a história acontece e representar a situação financeira e as personalidades dos personagens, as vestimentas em tons pastéis complementam a decoração dos palácios e jardins presentes nas cenas. Nos vestidos da protagonista interpretada por Kirsten Dunst, as cores, bordados e babados muitas vezes espelham os papéis de parede, móveis e cortinas dos sets.
Além de sua função estética, de contextualização e storytelling, o figurino contemporâneo em especial é parte importante do cinema como agente, fonte e representação da história: “a partir da análise dos discursos e práticas cinematográficas relacionados aos diversos contextos contemporâneos, os historiadores podem apreender de uma nova perspectiva a própria história do século XX e da contemporaneidade” como apontado pelo historiador brasileiro José d’Assunção Barros.
Assim sendo, um filme de 2001, por exemplo, pode agir como documentação da cultura do começo do século, por ser um produto da arte produzida naquele momento e retratar os costumes, valores e modos de viver – incluindo a indumentária – de um certo grupo, e fornecendo “fontes extraordinariamente significativas para os estudos históricos sobre a própria época em que foi e está sendo produzido”.
Contudo, Jaime Weinman destaca na revista canadense MacLean's que, desde 1967, quando a cerimônia assumiu seu formato atual, “apenas quatro filmes contemporâneos ganharam o Oscar de design de produção. Figurinos contemporâneos tiveram ainda menos sorte, com apenas dois ganhadores". Além de o último vencedor da categoria ter sido em 1994, são parcialmente ausentes entre as indicações: dos 100 filmes indicados ao Oscar de figurino neste século, apenas três – fora do gênero fantasia – possuem designs contemporâneos: “O Diabo Veste Prada” (2006), “Um Sonho de Amor” (2009) e “La La Land” (2016).
Em “O Diabo Veste Prada”, especificamente, as roupas – e o mundo da moda – são usadas como ferramenta para a narrativa, expondo as diferenças da personagem de Anne Hathaway quando comparada a seus colegas de trabalho, assim como representando sua adaptação ao ambiente ao longo do filme. Os figurinos, por Patricia Field, são retratos da alta moda do meio dos anos 2000 e são de grande relevância na cultura pop até 15 anos depois.
Ainda em seu livro, a historiadora Deborah Landis explica que figurinistas consideram filmes modernos mais complicados do que filmes históricos, mas que roupas "do dia a dia" são desvalorizadas pelo público e pela indústria: "Como todo mundo se veste pela manhã, todos se consideram especialistas em roupas contemporâneas. Para que um filme funcione o público deve ser capaz de dizer, com certeza, 'Eu reconheço essa pessoa'".
A figurinista Jennifer Von Mayrhauser concorda que é mais difícil que guarda-roupas modernos impressionem os eleitores das premiações, afirmando que a sutileza das roupas modernas é mais complicada. Enquanto todo figurino exija pesquisas minuciosas para a compra, concepção e/ou confecção das peças, Deborah descreve em “Costume Design: Defining Character” que, para filmes em cenários contemporâneos, o figurinista deve ser específico na análise geográfica, cultural e socioeconômica dos personagens sendo retratados: "Os figurinos causam distração no público quando são irrealistas para a cena, muito caros para um personagem ou errados para uma situação dramática".
Seja o filme situado no presente, passado, em um futuro hipotético ou um universo alternativo, é inegável a função do figurino como ferramenta essencial para a construção dos personagens e das composições das produções. Assim, é válida a análise e valorização dos figurinos em projetos contemporâneos, em seu esforço para a representação de personagens em plena autenticidade: “Se o designer conseguir fazer com que o público sinta que a atriz é a personagem, então foi feito um ótimo trabalho com o figurino” (Edith Head, figurinista oito vezes premiada pelos Prêmios da Academia).
Este post faz parte da segunda edição do Informativo Moda Projeto Entre.
Referências:
BARROS, José d’Assunção. Cinema e história: as funções do cinema como agente, fonte e representação da história, Ler História, 52. P. 127-159. 2007
COSTA, Francisco Araujo da. O figurino como elemento essencial da narrativa. p. 38-41. Sessões do Imaginário n°8. Sessões do Imaginário (FAMECOS/PUCRS). Agosto 2002.
LANDIS, Deborah Nadoolman. Costume Design: Defining Character. Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: 2015.
LANDIS, Deborah Nadoolman. Filmcraft: Costume Design. Lewes: Ilex, 2012.
WEINMAN, Jaime. And the Oscar goes to . . . the pouffy dress. MacLean's: 2015.
Comments