A Batalha de Versalhes de 1973, um marco histórico para a moda nos Estados Unidos
- Projeto Entre
- 10 de set. de 2021
- 7 min de leitura
Por Nathally Merida
Com a nova exposição do Metropolitan entitulada “Na América: Um Léxico da Moda” e, consequentemente, o MET Gala acontecendo nessa segunda (13), leia sobre a história do evento que marcou a história da moda nos Estados Unidos e os criadores que participaram desse desfile.

Composição por Vanessa Pinheiro
A inauguração da nova exposição do Metropolitan Museum of Art¸ intitulada “Na América: Um Léxico da Moda” e o evento beneficente Met Gala, cujo tema é “Independência Americana”, acontecem no dia 13 de setembro de 2021 em Nova Iorque. A exposição, segundo Max Hollein, diretor do museu, “considera como a moda reflete noções de identidade nos Estados Unidos, e a estética e impacto cultural da moda em três séculos da vida americana”. Considerando as referências e criadores do país nesses três séculos, diversos eventos históricos impactaram a imagem e produção de moda nos Estados Unidos, um deles sendo a “Batalha de Versalhes”.
O evento beneficente tinha como objetivo arrecadar fundos para a recuperação do Palácio, mas se estabeleceu como marco histórico na moda americana ao mudar a percepção do público para suas possibilidades e ao mesmo tempo expor o trabalho e criatividade dos presentes. O desfile não foi organizado para ser uma competição, segundo a editora de moda Robin Givhan, mas acabou sendo visto como tal, onde os criadores estadunidenses Halston, Anne Klein, Stephen Burrows, Oscar de la Renta e Bill Blass enfrentariam os franceses já estabelecidos Marc Bohan, da Dior, Yves Saint Laurent, Hubert de Givenchy, Pierre Cardin e Emanuel Ungaro.
E essas escolhas não foram aleatórias: Givhan, autora do livro "A batalha de Versalhes: A noite que mudou a história da moda", contou para a revista Harper's Bazaar que o evento "aconteceu em um período em que a moda francesa dominava de forma esmagadora - não somente porque os franceses determinavam as tendências e vestiam as mulheres mais influentes, mas porque a indústria americana literalmente copiava os designs franceses, e era comum a prática de pagar uma taxa pelo direito de copiar os modelos vindo da França.
Contudo, o país era potência na produção industrializada de vestuário e o estilo americano estava se formando com base em roupas esportivas comercializadas em prêt-à-porter, no conceito de moda como entretenimento e na liberdade da mulher moderna de se vestir como quiser, como comenta Robin. Assim, no dia 28 de novembro de 1973, os cinco criadores apresentaram seus pouco mais de 100 looks para os 800 convidados, incluindo celebridades como Andy Warhol e Grace Kelly.

Anne Klein, que abriu o desfile, nasceu em Nova Iorque em 1923 e criou, com seu segundo marido Matthew Rubenstein a empresa "Anne Klein and Company" em 1965, com a qual alcançou milhões em lucro ainda em seus primeiros anos. Anne se apropriava do guarda-roupa masculino para suas coleções, tendo Chanel como referência, e era conhecida por ser séria e focada em seu trabalho. Klein tinha como público as mulheres inseridas no mercado de trabalho, já que fazia peças versáteis e clássicas, prezando pelo empoderamento e atemporalidade.
Contudo, as peças esportivas de Anne, feitas separadamente para serem combinadas entre si, eram vistas como comerciais, banais e utilitárias pelos franceses, que as consideravam "um serviço para as mulheres, não uma celebração do criador". Mesmo assim, por ser a única do gênero feminino dentre os dez escolhidos para o evento, Anne e sua "abordagem pragmática", como apontado por Robin Givhan, entendia as necessidades da mulher dos anos 70.

Stephen Burrows, por outro lado, é descrito por Robin em seu livro como um "criador jovem e interessante com uma estética que ninguém havia visto antes. Sua nova sensibilidade não tinha nada a ver com Paris; não tinha nada a ver com o que as revistas apresentavam. Vinha diretamente das ruas, das boates, da cidade". Nascido em 1943, cresceu em Newark, Nova Jérsei com sua mãe e avó, mas foi incentivado pelo seu pai a pintar desde cedo. Burrows fez sua transição para a moda em 1964 ao se matricular no Fashion Institute of Technology em Nova Iorque onde "conectou os pontos entre os três elementos que popularizariam seu estilo: disco, drogas e liberdade sexual."
O estilo de Stephen incluia cores vibrantes, patchwork, plumas, franjas e a ideia de roupas unissex. Ele se atraiu pelas malhas, continuamente utilizando o ponto zig-zag em suas peças, geralmente em linha vermelha. Acidentalmente criado em uma dessas construções, o acabamento conhecido como lettuce hem tornou-se sua marca registrada.
Mesclando sua personalidade um tanto inocente e divertida com a sensualidade de seu contexto social, criou vestidos para discotecas, túnicas e calças de couro andrógenas sem preocupação alguma com o que acontecia em Paris ou nas passarelas, e essa singularidade o tornou absolutamente fascinante.

Um nome também associado à vida noturna, Halston era uma celebridade tanto quanto era criador, frequentando a famosa discoteca Studio 54 com estrelas como Liza Minelli e modelos de sua marca, conhecidas como as Halstonettes. Roy Halston começou sua carreira nos anos 50 como chapeleiro, ganhando popularidade quando a primeira-dama Jackie Kennedy usou um de seus designs - um tipo de chapéu denominado pillbox hat - na cerimônia de posse de seu marido em 1961.
Contudo, o criador marcou seu nome na história com suas linhas de vestuário feminino ao lançar sua primeira linha de prêt-à-porter, Halston Limited, em 1969. Seu nome virou sinômino de vestidos maxi feitos de caxemira, túnicas e o tecido de microfibra popularizado pelo ele e denominado Ultrasuede.
Seus designs possuíam referências dos vestidos cortados em viés de Vionnet e os conjuntos de suéteres de Mainbocher, e, segundo a curadora da exposição “Yves Saint Laurent + Halston: Fashioning the 70s” do Fashion Costume of Technology (FIT), “Halston rejeitava as técnicas de construção padrões, como pences e faixas na cintura. Sempre que possível, removia forros e estruturas internas, assim como botões e aviamentos em geral.”

Bill Blass, cujo lema era “nenhuma mulher pode estar bem-vestida a menos que esteja confortável no que está vestindo”, foi o primeiro criador americano a usar seu próprio nome como marca, criando a Bill Blass Ltda. no começo dos anos 70. Nascido no estado da Indiana em 1872, Blass teve como influência as mulheres que via em filmes de Hollywood e nas páginas da Vogue, e se atraia pelas celebridades americanas da época.
Um look clássico de Blass incluia "um elegante par de calças de flanela cinza e uma jaqueta de tweed ou veludo sob medida com um toque de bravata de moda masculina ou um conjunto de suéter transformado em um terno com saia fácil de usar. Ele adorava espinha de peixe e risca de giz para o dia, e suas roupas para a noite eram cheias de glamour. Ele não era tímido com lantejoulas, mas suas roupas nunca eram exageradas”, diz Givhan.

Oscar de la Renta, assim como Blass, sentiu a pressão de se provar como criador naquela noite. Nascido na República Dominicana em 1932, mudou-se para Madrid com vinte anos para ser artista, mas voltou seus talentos para a moda. De la Renta conta que se mudou para Nova Iorque porque sentia “que o futuro e o grande lucro na moda não estavam na alta costura, e sim no prêt-à-porter", e criou então uma marca para si mesmo que até os dias de hoje gera milhões de dólares por ano.
Ele é conhecido pela feminilidade de suas roupas e Robin o descreve como um criador com a habilidade de fazer qualquer mulher estar e se sentir bonita. Pode-se definir o estilo de Oscar como romântico e luxuoso, incluindo elementos como uso de babados, organza e tafetá em seus vestidos para a noite.
A editora Kristen Bateman conta que o desfile, como foi, apenas poderia ter acontecido no contexto dos anos 70, “em sua abordagem a respeito das modelos, dança, cenários e música”. Até então, em Paris, as modelos desfilavam de forma contida, e a música servia apenas para ambientação. Halston e Stephen Burrows, por sua vez, tinham sua moda atrelada à vida noturna, ao disco e a música em geral.
Liza Minnelli, vestindo Halston – seu melhor amigo –, pediu para as modelos, antes de começar seu número de abertura, que caminhassem no ritmo da música, agindo o mais naturalmente possível, como se estivessem atuando. Givhan conta em seu livro que “as modelos desfilaram atrás dela em uma panóplia de roupas esportivas americanas quintessenciais fornecidas por todos os criadores participantes, todos em tons de bege: casacos, sobretudos, saias plissadas, suéteres, vestidos de cintura alta com gola aberta, calças fáceis e chapéus - de abas largas, inclinados para o lado”, e que os elementos de entretenimento presentes na apresentação dos criadores americanos foi um dos maiores atrativos da noite.

Outra coisa que chamou atenção foi que, das trinta e seis modelos estadunidenses, dez eram negras. Desde os anos 60 marcas de alta costura pararam de contratar apenas modelos brancas para seus desfiles, mas a Batalha de Versalhes contribuiu para que incluíssem no futuro mais mulheres negras em seus castings.
Robin destaca ainda que, por mais que os criadores americanos presentes conseguiram provar seu nome naquela noite, os que marcaram seu nome na moda depois do evento se beneficiaram ainda mais do impacto que ele gerou: “Eles tem uma grande sensação de orgulho da importância de ser um designer americano [...] por causa do peso que foi tirado dos ombros da indústria de moda estadunidense pelo desfile de Versailles, mas também pela transformação que aconteceu do lado francês em termos de respeito pelo que os estadunidenses estavam fazendo, que era moda esportiva e a abordagem bem mais comercial."
Referências
BATEMAN, Kristen. Versailles 1973: How One Show Changed American Fashion History. Harper's Bazaar. 2015.
GIVHAN, Robin. The Battle of Versailles: the night American fashion stumbled into the spotlight and made history. 1° Ed. Nova Iorque: Zahar, 2015.
GIVHAM, Robin. Show of the Century. W Magazine. 2015.
Historicism: Halston. Exhibitions: Fashion Institue of Technology. 2015
In America: A Lexicon of Fashion. Metropolitan Museum of Art. 2021.
Legacy. Bill Blass.
MCVICKER, Michelle. 1943-Present – Stephen Burrows. Fashion History Timeline - Fashion Institute of Technology. 2020.
SHIM, Mina. Anne Klein: The Legendary Designer Who Changed The Way American Women Dressed. Harper's Baazar. 2021.
Imagens da capa
Anne em seu estúdio nos anos 60. Fonte: Harper's Bazaar/harpersbaazar.com
Segmento de Haltson no desfile. Fonte: Reginald Gray/WWD.com
Halston nos anos 70. Fonte: Berry Berensen/courierpress.com
Stephen Burrows e Pat Clevelend vestindo um de seus vestidos com lettuce hems. Fonte: Vice.com
Modelos no palco. Fonte: Courtesy of Decades/Vogue.com
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